20 setembro 2015

Era uma vez: tão doce quanto doente

Tão doce quanto doente

     O travesseiro e as cobertas eram ao mesmo tempo quentes e frios demais para o estado quase febril da garota que se remexia na cama. Ela colocava e retirava os lençóis de sobre o corpo incessantemente e sentia uma dor aguda na garganta, como se uma faca a tivesse cortado naquele ponto, deixando uma ferida que se abria toda vez que ela resolvia respirar.
     O frio intensificava suas dores, porém ela preferia o inverno ao verão, já que ele também intensificava seus sentimentos e as batidas de seu coração. Ela agora podia sentir a pulsação pelo simples toque dos dedos na palma da mão. Aprendera, com dificuldade, que uma vida sem sentimentos era uma vida vazia, e quanto mais vazia se tornava menos humana era. E humana é o que ela não suportaria deixar de ser.
     Ela sentia a cabeça pulsando num ritmo incômodo e tinha plena consciência de que deveria ter tomado seus remédios há um bom tempo. Não o fez. Talvez toda aquela dor física terminasse com a agonia do coração. Só talvez. 
     Aah, a dor aguda novamente. Contudo, dessa vez, ela não conseguia distinguir de onde vinha e se viria novamente para fazer companhia aos seus pensamentos embaralhados.
     A tontura causada pela abstinência e torpor era quase anestésica e a impedia de levantar para fazer qualquer coisa, a impedia até mesmo de se torturar mais com as angustias da vida mundana. Até mesmo de pensar com clareza. Ah, clareza, era do ela mais sentia falta. Ou do que ela talvez mais sentisse falta, se não fosse...
     Ah... os sentimentos. Eles doíam tanto. Todos eles. Sem exceção. Eles a rasgam por dentro e depois fazem com que ela costure tudo de novo, sem anestesia. Depois disso, sem esperar cicatrizar, eles rasgam tudo novamente, sem dó. E dessa vez dói mais. Muito mais. Porque dessa vez vem de repente. 
     Tudo isso tem um gosto. Tem gosto de sangue, entretanto não só disso, tem algo doce também, resquício de quando ela ainda não tinha percebido que estavam lhe rasgando. Mas acredite, eles sempre estão, é que às vezes eles a dopam antes. E essa dopamina vicia. Ela que faz a dor vir de repente e depois doer mais ainda. Se me lembro bem, o nome é amor. 

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