30 outubro 2015

Era uma vez: quando aqui dentro quebra

Quando aqui dentro quebra
     
"Está tudo bem?"
     É claro que não estava. Nem antes disso estava. Na verdade, nunca esteve. Contudo o que ela iria dizer, não é mesmo? O que fazer senão sorrir e negar a decepção com a força que ainda lhe restava? 
     "Sim", murmura em resposta.
     A mágoa ela guarda e deixa que engula seu coração aos poucos. Bem aos poucos. Até que que um dia ela esteja sozinha em casa tomando banho ou lendo alguma coisa e tudo aquilo volte, junto com todo o sentimento e todas as palavras afiadas, junto com todos os cortes que agora são cicatrizes. Até que ela finalmente solte tudo em sangue e lágrimas pesadas, cheias de lembranças. Lembranças demais. 
     Pensando em tudo isso, ela sorri e vai embora, como numa cena longa e muito bem ensaiada, todavia cada vez mais difícil de representar. Essa cena só acaba quando ela chega em seu quarto, tira a máscara e o elástico de cabelo e desliza até o chão, mais vazia e mais cheia do que nunca.Vazia daquela coisa que nos esquenta por dentro. Cheia de cada detalhe. Farta disso tudo. 
     Ela sente um bloqueio nem tão incomum na garganta e cacos penetrando em seus pulmões e seu orgulho, deixando sua respiração e sua vida falharem. Junto ao oco na alma e a tensão nos ombros, ela percebe. Percebe que, num tropeço qualquer por ai, algo lá dentro quebrou. Algo que deixou várias pontas afiadas. Algo, pelo visto, bem difícil de consertar.
     Ela suspira e engole o pranto junto a sua indignação. Ela sorri meio de lado e tem um par de pensamentos irônicos. O sorriso aumenta. Irônicos como farpas. 
     Essa ironia será derramada como ácido em alguém. Alguém que não tem culpa de nada. Alguém inteiro. Alguém bom. 
     O sorriso diminue. 
     Algo continua quebrado. 

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